Historicamente, os modelos de liderança foram construídos à volta de estereótipos de género rígidos que definiam o que era considerado comportamento de liderança “apropriado” para os homens e para as mulheres. No entanto, essas ideias estão a ser substituídas por uma compreensão mais fluida e matizada, que reconhece que as qualidades de uma liderança eficaz podem ser manifestadas por qualquer pessoa, independentemente do seu género.
Este artigo, o segundo de uma série de cinco, explora a evolução do conceito de liderança ao longo do tempo, destacando a emergência de um novo paradigma que rejeita totalmente os estereótipos de género e que abraça uma visão mais inclusiva e equitativa da liderança. Vamos, juntos, desconstruir os preconceitos sobre as perceções de liderança, argumentar em favor de uma liderança não-binária e oferecer novas perspetivas sobre como as organizações podem cultivar uma cultura que promova e valorize uma gama superior de qualidades de liderança.
Desconstrução de Estereótipos
Desde tempos imemoriais, os estereótipos de género têm infiltrado profundamente as estruturas sociais e organizacionais, impondo a visão limitada do que é um “bom líder”. Estas ideias preconcebidas têm criado um terreno desigual, no qual homens e mulheres são avaliados através de métricas diferentes e muitas vezes irreais, que distorcem o verdadeiro valor das suas competências e contribuições. Historicamente, a liderança masculina foi associada a traços como a assertividade, a decisão e a coragem, enquanto a liderança feminina foi vinculada à empatia, à paciência e à habilidade para promover a cooperação. Essas associações reforçam as divisões de género e limitam o espectro de qualidades que são valorizadas em ambientes de liderança. Com o enquadramento de certas qualidades como sendo inerentemente “masculinas” ou “femininas”, os estereótipos perpetuam uma cultura que automaticamente associa certos comportamentos com base no género do líder, ao invés das suas capacidades reais.
Os impactos destes estereótipos são enormes, variados e afetam negativamente tanto homens como mulheres em posições de liderança.
Para as líderes femininas, estes estereótipos levam a um maior escrutínio e a expectativas contraditórias, ou melhor, são julgadas se percebidas como muito suaves ou muito assertivas. Por outro lado, os líderes masculinos enfrentam críticas por demonstrarem qualidades consideradas emocionais ou colaborativas, aspetos que sabemos serem essenciais para a liderança moderna.
Desconstruir estes estereótipos não é, portanto, apenas uma questão de equidade ou de correção política, é uma necessidade organizacional e estratégica fundamental!
A Liderança é Não-Binária!
A ideia de uma liderança eficaz é, na verdade, uma amálgama de qualidades que ultrapassam as tradicionais barreiras binárias de género e, as características necessárias para liderar com sucesso não se encaixam nos moldes rígidos do “masculino” ou “feminino”. Em vez disso, a liderança moderna requer uma fusão de qualidades que podem ser categorizadas como decisivas e assertivas, tradicionalmente vistas como masculinas, assim como empáticas e colaborativas, frequentemente atribuídas ao feminino.
Esta abordagem não-binária reconhece que as habilidades requeridas para liderar são universais e não devem ser limitadas por preconceitos de género. Por exemplo, a capacidade de tomar decisões firmes e a habilidade de se ser empático para com as necessidades dos colaboradores são aspetos igualmente importantes e a presença de uma, não diminui a necessidade da outra. Integrar essas qualidades diversas é vital não só para o desenvolvimento individual dos líderes, mas também para o sucesso organizacional. As equipas lideradas por gestores que incorporam uma gama equilibrada de características masculinas e femininas demonstram a tendência a serem mais resilientes, criativas e inovadoras. Estes líderes são capazes de motivar e de inspirar, criando ambientes de trabalho onde a diversidade de pensamento e a inclusão são mais do que simplesmente toleradas, mas ativamente encorajadas. Para além disso, ao ultrapassar as noções binárias de liderança, as organizações quebram ciclos de homogeneidade que estagnam a inovação.
Promover esta visão de liderança não-binária também requer o desafio e a mudança da cultura organizacional existente. Requer uma revisão dos processos de recrutamento, treino e desenvolvimento, garantindo que todos os potenciais líderes, independentemente do seu género, sejam incentivados a desenvolver uma gama completa de competências de liderança.
Através destas estratégias, as organizações elevam os seus padrões de liderança e posicionam-se como líderes progressistas no universo empresarial global.
Qualidades de Liderança Tradicionalmente Masculinas e Femininas
A eficácia na liderança muitas vezes depende de um conjunto diversificado de qualidades, algumas das quais são tradicionalmente categorizadas como masculinas ou femininas. Assim, torna-se essencial o reconhecimento e a valorização em como essas características se complementam e contribuem para uma liderança abrangente e realmente eficaz.
As qualidades consideradas tradicionalmente masculinas, como a decisão e a assertividade, são valorizadas pela sua capacidade de promover a ação rápida e direcionada. Desta forma, os líderes decisivos são vistos como figuras de autoridade com a capacidade de traçar caminhos claros e de tomar decisões firmes nos momentos críticos. A assertividade, portanto, permite que estes líderes se imponham e defendam as suas visões e as das suas equipas, um atributo essencial aos ambientes altamente competitivos ou em situações de crise.
Por outro lado, as qualidades vistas frequentemente como femininas, como a empatia e a paciência, são igualmente vitais. A empatia permite que os líderes entendam as emoções e as motivações dos seus colegas e subordinados, o que leva a um ambiente de trabalho harmonioso e colaborativo. A paciência é fundamental para o desenvolvimento de talentos dentro de uma equipa, permitindo que os líderes orientem os seus membros de equipa de forma eficaz ao longo do tempo e lidem com desafios de longo prazo sem desanimar.
Realizamos, portanto, que os líderes verdadeiramente eficazes são aqueles que conseguem incorporar um equilíbrio dessas qualidades, independente da sua identidade de género. A capacidade de se ser decisivo e empático, na mesma medida, por exemplo, leva a uma gestão mais eficaz dos conflitos, enquanto a combinação da assertividade com a paciência resulta na liderança que é capaz de alcançar resultados e que constrói e sustenta equipas fortes e resilientes.
O desafio para as organizações modernas é, portanto, a promoção de um entendimento de que as qualidades de liderança não devem ser limitadas pelas categorizações de género. Devem, ao invés, ser encorajados estilos de liderança que integrem o melhor de ambos os mundos, nos seus conjuntos de qualidades, adequando-se assim às necessidades da equipa e dos objetivos organizacionais.
Histórias de Sucesso
Existem líderes que desafiam as normas e que demonstram que a eficácia e a inovação não têm género. Estes líderes exemplificam um equilíbrio de qualidades tradicionalmente vistas como masculinas e femininas, criando um estilo de liderança integrado e adaptável.
Jacinda Ardern, a ex-primeira-ministra da Nova Zelândia, é um exemplo notável. Ela liderou o país com uma combinação de firmeza e de empatia, gerindo crises com uma abordagem que valorizava tanto a segurança como o bem-estar emocional dos cidadãos. A sua resposta à pandemia de COVID-19 e ao ataque terrorista em Christchurch foram elogiadas pela sua eficácia e humanidade.
Christine Lagarde, a atual Presidente do Banco Central Europeu e ex-Diretora-Gerente do Fundo Monetário Internacional, é conhecida pela sua liderança pragmática e a capacidade de navegar pelas crises financeiras globais. Ela tem sido uma defensora da igualdade de género na economia e na liderança.
Indra Nooyi, ex-CEO da PepsiCo, é outra líder que quebrou barreiras de género. Durante o seu mandato, ela redirecionou a empresa para um futuro mais saudável e sustentável, mostrando que a liderança feminina pode ter um impacto verdadeiramente transformador nas grandes corporações.
Paul Polman, o ex-CEO da Unilever, também é reconhecido pela sua liderança inclusiva. Ele promoveu a sustentabilidade e a responsabilidade social corporativa, provando que os líderes podem ser bem-sucedidos ao mesmo tempo em que cuidam do planeta e das pessoas.
Estes líderes são apenas alguns exemplos de indivíduos que não se limitaram aos papéis tradicionais de género e que, através das suas ações e abordagens de liderança, têm inspirado mudanças positivas nas suas organizações e na sociedade como um todo.
Eles demonstram que as qualidades de liderança transcendem o género e que a inclusão e a diversidade levam a uma liderança eficaz.
Uma Cultura de Liderança Inclusiva
Atualmente, para que uma organização atinja o êxito, é imperativo desenvolver uma cultura de liderança inclusiva que valorize e promova fortes qualidades de liderança.
Este segmento oferece sugestões práticas sobre como criar ambientes onde a diversidade de talentos e de perspectivas não seja apenas aceite, mas fervorosamente encorajada e vista como um trunfo.
Estabelecer Políticas Claras de Inclusão: O primeiro passo para cultivar uma cultura de liderança inclusiva é estabelecer políticas claras que promovam a igualdade e a diversidade dentro da organização, o que inclui políticas de recrutamento, retenção e de promoção que façam garantia de oportunidades iguais para todos, independentemente do seu género, etnia, idade ou qualquer outra característica diferenciadora.
Formação e Desenvolvimento: Implementar programas de formação que foquem na importância da inclusão e da diversidade na liderança, é algo essencial. Estes programas devem ser focados na sensibilização para as questões da inclusão e no desenvolvimento de habilidades que permitam aos líderes gerir com eficácia uma força de trabalho diversificada, como por exemplo a comunicação intercultural, a resolução de conflitos e a promoção da empatia.
Promover a Mentoria e o Apadrinhamento: Encorajar relações de mentoria e de apadrinhamento dentro da organização, são aplicações que podem ajudar a desenvolver uma geração de líderes mais inclusiva. A mentoria de futuros líderes por profissionais mais experientes pode facilitar a transferência de conhecimentos e a inclusão de diversas perspectivas na tomada de decisões.
Valorização do Feedback Multidirecional: Cultivar um ambiente onde o feedback seja valorizado de todas as direções ajuda a construir uma cultura de respeito mútuo e de consideração pelas diferentes perspectivas, o que inclui encorajar o feedback dos subordinados para os superiores, promovendo assim o diálogo aberto que pode revelar informação estratégica valiosa para a melhoria da liderança e das práticas organizacionais.
Reconhecimento e Celebração da Diversidade: É fundamental que as organizações reconheçam e celebrem a diversidade dentro dos seus quadros. Isto pode ser alcançado através de eventos, workshops e de celebrações que destaquem e honrem as diversas culturas, histórias e contribuições dos membros da equipa.
Flexibilidade e Adaptação às Necessidades Individuais: A adaptação às necessidades individuais dos funcionários, permitindo a flexibilidade em termos de horários de trabalho, estilos de trabalho e das necessidades de desenvolvimento profissional, pode ajudar a criar um ambiente de trabalho mais inclusivo e produtivo.
Promoção de um Espírito de Colaboração: Encorajar o espírito de colaboração, onde todos se sintam valorizados e capazes de contribuir, é fundamental para uma liderança eficaz. Isso deve incluir a criação de espaços de trabalho colaborativos que incentivem a partilha de ideias e o trabalho em equipa, aproveitando ao máximo a diversidade de pensamentos e experiências.
Estratégias para Líderes em Evolução
Neste segmento, ofereço orientações para futuros líderes e para os já estabelecidos, sobre como podem desenvolver e integrar o equilíbrio de qualidades de liderança para se tornarem líderes mais eficazes e inclusivos.
Autoavaliação e Consciência Pessoal: O primeiro passo para qualquer líder que deseje melhorar é o desenvolvimento de uma forte autoconsciência. Este aspeto pode ser alcançado através de ferramentas como as avaliações de feedback 360 graus, onde os líderes recebem feedback anónimo dos seus superiores, colegas e dos subordinados. Este é um processo que ajuda os líderes a entenderem as suas forças e as áreas de melhoria, especialmente no que diz respeito à relação da perceção dos outros sobre seu estilo de liderança.
Educação Continua e Aprendizagem: Líderes eficazes são eternos aprendizes! A participação em workshops, seminários e cursos sobre liderança e gestão pode fornecer novos conhecimentos e aprofundar outros em áreas específicas como a gestão de conflitos, a negociação, e a liderança inclusiva. Muitas destas formações incluem casos práticos que permitem aos líderes praticar as novas habilidades adquiridas, num ambiente controlado.
Coaching e Mentoria: Trabalhar com um coach de liderança ou procurar um mentor experiente pode ser extremamente benéfico. Um mentor pode oferecer orientação personalizada e apoio ao desenvolvimento de habilidades de liderança, ajudando em desafios específicos e a alcançar objetivos de carreira de forma estratégica.
Estabelecimento de Metas de Desenvolvimento de Liderança: Definir metas claras de desenvolvimento é vital. Os líderes devem identificar as competências chave que desejam desenvolver e estabelecer objetivos específicos e mensuráveis para alcançá-las, o que pode incluir a melhoria da comunicação, aprender a gerir melhor a diversidade de equipas, ou desenvolver uma maior empatia e sensibilidade cultural.
Feedback Regular e Reflexão: Encorajar e solicitar feedback regularmente ajuda a manter os líderes alinhados com as expectativas das suas equipas e promove um ambiente de comunicação aberta. A reflexão regular sobre suas próprias ações e decisões é também essencial para entender o impacto do seu estilo de liderança.
Desenvolvimento de uma Rede de Suporte: Construir e manter uma rede com outros líderes pode proporcionar apoio adicional e uma plataforma para a troca de ideias. Esta rede pode ser uma fonte valiosa de conselhos e pode oferecer uma perspetiva externa sobre os desafios de liderança.
Prática de Mindfulness e Resiliência: Desenvolver habilidades de mindfulness e resiliência ajuda os líderes a manterem-se calmos e focados, mesmo em situações de enorme pressão. Programas de mindfulness e bem-estar podem melhorar a tomada de decisão e a capacidade de gerir o stress e os conflitos.
Liderança para o Futuro
Este texto ajuda a reforçar a necessidade crítica de redefinir de forma continua o que significa ser um líder no século XXI, focando no facto de que a liderança é uma caminhada de constante aprendizagem e adaptação. Este artigo serve como convite para todos os líderes e organizações a refletirem profundamente sobre as suas práticas atuais e a realizarem um compromisso de transformação rumo a uma liderança verdadeiramente representativa da diversidade da nossa sociedade.
Referências:
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