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A Indomável Força da Gentileza


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Durante as minhas introspecções pessoais, deparei-me com uma observação que merece alguma atenção. Nestas observações da minha experiência pessoal, reparei que os indivíduos extraordinariamente afáveis e carinhosos, frequentemente albergam em si uma intensidade igualmente profunda de paixão, resiliência e, em alguns casos, dor.

“O que não me mata torna-me mais forte”

Uma afirmação que é muito mais do que mera retórica. Reflete a resiliência humana perante a adversidade e, a capacidade do ser humano para transformar experiências traumáticas em força motriz para o desenvolvimento de uma personalidade magnânima e compassiva.

Aqueles que têm o privilégio e/ou desafio, de conviver com pessoas de extraordinária gentileza, podem, por vezes, subestimar a profundidade e a complexidade das suas personalidades. A sua afabilidade pode ser interpretada erradamente como submissão ou falta de carácter. Esse, é um erro crasso de análise! Geralmente, por detrás dessa máscara de gentileza reside uma força indomável, uma tenacidade forjada em circunstâncias altamente adversas.

Vamos considerar, por exemplo, um indivíduo que, tendo crescido num ambiente hostil, aprendeu desde cedo a valorizar a harmonia e a bondade como santuários.

O confronto diário com adversidades, sejam elas de natureza emocional, física ou psicológica, ensina esse indivíduo a desenvolver mecanismos de defesa e estratégias de sobrevivência. Uma dessas estratégias pode muito bem ser a capacidade de mostrar amor e empatia, mesmo quando se vê confrontado com hostilidade ou indiferença.

A inclinação para a gentileza não deve ser vista como sinal de vulnerabilidade!

Ao invés, é um testemunho da força interior e do domínio emocional. Esta capacidade para manter a compostura e de escolher responder com gentileza, mesmo perante a provocação, é uma manifestação suprema de autocontrolo.

Há uma confusão frequentemente estabelecida entre o autocontrolo e a fraqueza de personalidade. Na minha opinião, é apenas consequência de uma cultura que  valoriza a assertividade e o domínio como sinónimos de força. No entanto, o verdadeiro poder reside na capacidade que reside em nós para escolher a nossa resposta, e não simplesmente na impulsividade.

Como observou Viktor Frankl, entre o estímulo e a resposta, existe um espaço, e nesse espaço reside a nossa liberdade e o nosso poder de escolher a nossa resposta. E essa escolha, quando feita conscientemente, é a mais pura manifestação de força!

A gentileza e o carinho, longe de serem indicativos de fraqueza, são reflexos da profundidade, da resiliência e da complexidade de um indivíduo. São, em muitos casos, o resultado de um árduo trabalho interior, uma escolha deliberada feita todos os dias, para trazer luz a um mundo que, por vezes, parece sombrio. É fundamental  reconhecer e valorizar a força que reside na gentileza e compreender que, por detrás de cada gesto de amor, há uma história, uma jornada, e sobretudo, um profundo conhecimento do que verdadeiramente significa ser humano.

A história está repleta de figuras que, após enfrentarem enormes adversidades, emergiram não apenas mais fortes, mas também gentis e empáticas.

Nelson Mandela, por exemplo, após 27 anos de encarceramento, optou pelo caminho da reconciliação ao invés da retaliação. Uma escolha que, longe de ser um sinal de fraqueza, foi um testemunho da sua imensa força de caráter e visão estratégica para o futuro da sua nação.

Mas, nem todas as pessoas que enfrentam desafios emergem deles mais gentis ou empáticas. Algumas tornam-se amarguradas, desconfiadas ou “desligadas”. O que diferencia esses dois resultados é uma combinação de fatores, incluindo apoio social, resiliência pessoal e, em muitos casos, uma enorme dose de sorte.

Penso ser de enorme importância reconhecer a coragem necessária para optar pela gentileza num mundo que, por vezes, valoriza apenas  a agressão e a competitividade.

A gentileza não é sinal de passividade, mas sim uma escolha ativa, um ato de resistência contra a indiferença e a crueldade. É uma declaração de que, apesar de todas as provações, opta-se por ver a humanidade no outro, por reconhecer o valor intrínseco de cada ser humano.

Com o culminar desta reflexão, emerge a luminosa conclusão de que a gentileza, por vezes mal interpretada pelos véus da nossa percepção, é, na sua essência, uma manifestação de força silenciosa, uma resiliência moldada pelos desafios da experiência humana. Quando nos deparamos com alguém cuja serenidade parece inabalável, cujo espírito é inundado por uma empatia desmedida, não estamos apenas a testemunhar um simples acto de bondade, mas sim a reverência de uma alma que escolheu, corajosamente, a via da compreensão e da paz, mesmo quando confrontada com os abismos mais profundos da existência humana.

A verdadeira bravura reside não na capacidade de dominar os outros, mas na habilidade de dominar-se a si mesmo, de escolher a luz mesmo quando as sombras parecem avassaladoras.

É portanto imperativo traçar uma ligação ao fenómeno do burnout e da depressão, que, infelizmente, tornam-se cada vez mais prevalentes na nossa sociedade. O burnout, desencadeia sentimentos de despersonalização e um declínio claramente marcado no desempenho pessoal e profissional. Similarmente, a depressão despoja o indivíduo da sua vitalidade, alterando a perspectiva sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo à sua volta.

Observando de perto estas condições, verifico um padrão perturbador: a ausência de gentileza dirigida a nós próprios. A capacidade para reconhecer o próprio sofrimento, para oferecermos a nós mesmos compreensão e compaixão, pode ser um bálsamo curativo nas fases mais árduas destes estados. A gentileza, então, não se manifesta apenas nas interações com os demais, mas no tratamento que dispensamos a nós próprios, nas narrativas internas que moldam o nosso ser.

A conexão entre a gentileza e estes estados tão complexos, encontra-se no potencial terapêutico da autocompaixão. Se a autêntica coragem está na capacidade de autocontrolo e na decisão de optar pela luz, então, ao combatermos o burnout e a depressão, ser amáveis conosco torna-se a mais radical e transformadora manifestação de resistência.

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